domingo, 28 de fevereiro de 2010

A Raposa e o Bode

Debatia-se a Raposa
num poço lôbrego e fundo,
ovê espreitando um bode
com um ar meditabundo.

"Compadre se andas com sede
e queres água bem fresquinha,
dá um salto cá pra baixo
que está é boa e limpinha".

Pula o bode e logo a astuta
ao dorso e chifres lhe salta,
e assim chega á superfície
que antes era muito alta.

Olha! Agora-grita-lhe ela-
fica-te aí com paciência.
O que te sobeja em barab
falta-te em inteligência.

in Vulpes Fabulosa de Elviro Rocha Gomes, 1960

A Raposa e o Galo

Diz a Raposa pró Galo:
-Que lindo que você vai!
Mas aposto que a cantar
não é melhor que seu pai!

Vai o Galo, fecha os olhos,
faz uma demosntração,.
Có-có-ró-có! grita ele,
inchado de presunção.

Sem mais aquela, a ladina
dali o arrebatou,
causando espanto na gente
que tal caso contemplou.

-Senhora, não vês que gritam
que o galo é deles? Não ouves?
Diz que é só teu e bem teu
a ver se assim os comoves!

Ora tal que o Galo disse
parece que a convenceu
pois ele abriu a bocarra
e disse: "Este galo é meu!"

Fugindo da boca aberta,
volta o Galo á capoeira,
contente por ter escapado
à Raposa traicoeira.

in Vupes Fabulosa de Elviro Rocha Gomes, 1960

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O desenho do barco

Começa o barco a desenrolar
uma faixa de seda branca
sobre o roupão de veludo do mar

Eu no cais
é que estou numa ponta
a segurar;
mas deixo-a fugir
e a fita enrola-se toda
e vai-se unir
ao barco
do outro lado do Mar...

in "Desenhos de Alma" de Elviro Rocha Gomes, 1964

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O sul do meu país

Onde o sol gosta mais de repousar,
onde o mar á mais quente e mais feliz,
onde no inverno há árvores a cantar,
onde as mulheres são belas e gentis

onde há lendas voando pelo ar,
onde as flores têm mais fúlgido matiz,
onde o vento é um dúlcido acenar,
aí é que é o sul do meu país

Aí é que é o sul de Portugal
onde o céu é um canto triunfal
e a terra um corridinho inebriante.

E o mar a esticar e a encolher,
com ondas a subir e a descer
é o harmónio rúbido e galante...

O Regresso

Rua íngreme, longa e sinuosa
que vista cá de baixo, desanima
Mas, mesmo assim, em marcha vagarosa,
um pai arfando vai por ela acima

Sem côr de vida sobre a tês suosa
quem vê o triste seu penar lastima
Pende-lhe o corpo em mole desgraciosa
Verga o pau a que o mísero se arrima

Tanto pode no homem a vontade
que súbito reganha agilidade
e as pernas esquecem-se das dores.

É que o pai avista, sorridentes
correndo a ele a mãe e os inocentes
que são a sua vida, os seus amores.

Um passeio (extracto)

.....
Orvalhos finos gotejando
de folhas gráceis e traquinas,
pássaros vivos, chilreando
áreas furtivas, pequeninas,
ribeiros
brejeiros,
e gado
pasmado
e crianças a sacudir a atmosfera
e uma bandeira de sol a gritar Primavera,
e uma montanha humorista
a fingir-se pequena atrás dum telhado,
tudo isto era verdade antes mal vista,
ou apenas dum lado,
contudo era verdade sem deslizes
brotando do real fundo
do mundo

Passarinho preso (extracto)

Meu passarinho
redondinho
e gordo,
do calor do
ninho
quem te
tiraria?
Gente astuta e fria?

....

Se a vida é já ida,
pouco doi o resto.

Deixaste cair uma rosa

Deixaste cair uma rosa na minha inanição e minha províncias se alagaram em júbilo 
Agora a tua rosa canta nas festas das minhas províncias e rege música sinfónica nas minhas catedrais Deixaste cair uma rosa sem pensar muito naturalmente, e eu não sei se te caíu do olhar ou da voz ou do teu ar, 
ou se nalgum eflúvio a desprendeste que roçasse as longínquas ondas de som das minhas províncias Deixaste cair uma rosa em mim e eu estilhacei-me em perfumes que são ecos de ti.