terça-feira, 6 de julho de 2010

SE (Rudyard Kipling)

Se és capaz de estar firme, enquanto em teu redor
da demência geral te dizem causador!
se confias em ti no meio de suspeitas
mas dos outros as dúvidas respeitas;
se podes esperar e nunca desesperas
ou à perfídia opões atitudes sinceras;
se te sabes odiado e não queres odiar,
se te julgas santo ou sábio no falar,
se altos sonhos possuis sem ser deles escravo,
se pensas mas pensar não é só o teu alvo
se enfrentas o desastre e a vitória
como uma coisa apenas transitória;
se podes suportar que parvos e alarves
armem ciladas vis às tuas sãs verdades,
ou ver ruir aquilo que tens mais estima
e com má ferramenta o ergues ao de cima,
se pegas no que tens em alta conta
e podes arriscar como se fosse de pouca monta,
e perdes tudo e voltas ao início
sem do desaire teu mostrares indício;
se, mesmo após te veres a fraquejar,
podes encontrar força para lutar
e assim consomes essa força tua
enquanto a alma grita«Continua»;
se podes entre a turba ter pureza
e ser modesto ao pé da realeza,
se nem os de má-fé nem amigos te ofendem;
se confiam em ti mas não de mais se prendem;
e se um minuto só, que não perdoa,
podes encher coa tua alma boa,
então o mundo inteiro possuirás
e tu serás um homem, meu rapaz!

in "Octopa" de Elviro Rocha Gomes

quinta-feira, 4 de março de 2010

Vou de coche


Vou de coche, vou de coche
Vou de coche e vou contente.
Quem não quiser andar de coche
que saia da minha frente




Há quem use o avião
e quem gaste a camioneta
e quem vá pela estrada fora
em cima da bicicleta

Eu cá por mim vou de coche.
Vou de coche e não vou mal.
Quem não quer andar de coche
Cá comigo não se rale

Há quem ande de helicóptero
a fazer sombra no chão;
Outros que andam no deserto
de camelo é que eles vão.

Mas eu cá por mim vou de coche
Vou de coche porque quero.
Quem não quiser andar de coche
´lá por ele é que não espero

U-U-U passa o comboio
Faço-lhe adeus com um lenço
demora muito a passar
porque é pesado e extenso.

Mas eu cá por mim vou de coche
vou de coche sem parar.
Quem não quer andar de coche
não me venha importunar.

Um automóvel veloz
vem-se aproximando agora
'inda bem isto não disse
já se foi daqui p'ra fora

Eu cá é que vou de coche
mais a minha companheira.
Quem não quer andar assim
ande lá doutra maneira.

Vou de coche, vou de coche
vou de coche e continuo
e também vão dentro dele
quatro filhos que possuo.

Vou de coche, vou de coche
muito bem acomodado
e a família dentro dele
vai muito bem obrigado.

de Elviro Rocha Gomes, lido na TV por João Villaret.
tirado do blogue "Á beira Lethes"

A ovelha tosquiada

Tosquiaram a ovelha
Parece uma velha
Tão lisa e tão fria
parece uma rã.
Umas mãos hábeis
roubaram-lhe o garbo
tirando-lhe a lã
Assim ficou nua
no meio do prado.
Anda vaidade
passeando na rua
com lã que era sua.

E ela anda nua.

in Á luz da singeleza, de Elviro Rocha Gomes, 1999
tirado do blogue Local e Blogal

domingo, 28 de fevereiro de 2010

A Raposa e o Bode

Debatia-se a Raposa
num poço lôbrego e fundo,
ovê espreitando um bode
com um ar meditabundo.

"Compadre se andas com sede
e queres água bem fresquinha,
dá um salto cá pra baixo
que está é boa e limpinha".

Pula o bode e logo a astuta
ao dorso e chifres lhe salta,
e assim chega á superfície
que antes era muito alta.

Olha! Agora-grita-lhe ela-
fica-te aí com paciência.
O que te sobeja em barab
falta-te em inteligência.

in Vulpes Fabulosa de Elviro Rocha Gomes, 1960

A Raposa e o Galo

Diz a Raposa pró Galo:
-Que lindo que você vai!
Mas aposto que a cantar
não é melhor que seu pai!

Vai o Galo, fecha os olhos,
faz uma demosntração,.
Có-có-ró-có! grita ele,
inchado de presunção.

Sem mais aquela, a ladina
dali o arrebatou,
causando espanto na gente
que tal caso contemplou.

-Senhora, não vês que gritam
que o galo é deles? Não ouves?
Diz que é só teu e bem teu
a ver se assim os comoves!

Ora tal que o Galo disse
parece que a convenceu
pois ele abriu a bocarra
e disse: "Este galo é meu!"

Fugindo da boca aberta,
volta o Galo á capoeira,
contente por ter escapado
à Raposa traicoeira.

in Vupes Fabulosa de Elviro Rocha Gomes, 1960

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O desenho do barco

Começa o barco a desenrolar
uma faixa de seda branca
sobre o roupão de veludo do mar

Eu no cais
é que estou numa ponta
a segurar;
mas deixo-a fugir
e a fita enrola-se toda
e vai-se unir
ao barco
do outro lado do Mar...

in "Desenhos de Alma" de Elviro Rocha Gomes, 1964

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O sul do meu país

Onde o sol gosta mais de repousar,
onde o mar á mais quente e mais feliz,
onde no inverno há árvores a cantar,
onde as mulheres são belas e gentis

onde há lendas voando pelo ar,
onde as flores têm mais fúlgido matiz,
onde o vento é um dúlcido acenar,
aí é que é o sul do meu país

Aí é que é o sul de Portugal
onde o céu é um canto triunfal
e a terra um corridinho inebriante.

E o mar a esticar e a encolher,
com ondas a subir e a descer
é o harmónio rúbido e galante...

O Regresso

Rua íngreme, longa e sinuosa
que vista cá de baixo, desanima
Mas, mesmo assim, em marcha vagarosa,
um pai arfando vai por ela acima

Sem côr de vida sobre a tês suosa
quem vê o triste seu penar lastima
Pende-lhe o corpo em mole desgraciosa
Verga o pau a que o mísero se arrima

Tanto pode no homem a vontade
que súbito reganha agilidade
e as pernas esquecem-se das dores.

É que o pai avista, sorridentes
correndo a ele a mãe e os inocentes
que são a sua vida, os seus amores.

Um passeio (extracto)

.....
Orvalhos finos gotejando
de folhas gráceis e traquinas,
pássaros vivos, chilreando
áreas furtivas, pequeninas,
ribeiros
brejeiros,
e gado
pasmado
e crianças a sacudir a atmosfera
e uma bandeira de sol a gritar Primavera,
e uma montanha humorista
a fingir-se pequena atrás dum telhado,
tudo isto era verdade antes mal vista,
ou apenas dum lado,
contudo era verdade sem deslizes
brotando do real fundo
do mundo

Passarinho preso (extracto)

Meu passarinho
redondinho
e gordo,
do calor do
ninho
quem te
tiraria?
Gente astuta e fria?

....

Se a vida é já ida,
pouco doi o resto.

Deixaste cair uma rosa

Deixaste cair uma rosa na minha inanição e minha províncias se alagaram em júbilo 
Agora a tua rosa canta nas festas das minhas províncias e rege música sinfónica nas minhas catedrais Deixaste cair uma rosa sem pensar muito naturalmente, e eu não sei se te caíu do olhar ou da voz ou do teu ar, 
ou se nalgum eflúvio a desprendeste que roçasse as longínquas ondas de som das minhas províncias Deixaste cair uma rosa em mim e eu estilhacei-me em perfumes que são ecos de ti.